Diferenças entre as pessoas comparadas

Comparação de diferentes tratamentos administrados a grupos de pessoas

As comparações de tratamentos geralmente envolvem a comparação das experiências dos grupos de pessoas que receberam tratamentos diferentes. Se estas comparações forem feitas adequadamente, a composição dos grupos deve ser igual, de modo que semelhante seja comparado a semelhante. Se aqueles que recebem um tratamento são mais propensos a se saírem bem (ou mal) do aqueles que recebem um tratamento alternativo, este viés de distribuição torna impossível a certeza de que os desfechos irão refletir os efeitos diferenciais dos tratamentos, ou os efeitos da natureza e da passagem do tempo.

William CheseldenNo século XVIII, o cirurgião inglês William Cheselden sabia do problema dos “grupos desiguais” quando os cirurgiões comparavam suas respectivas taxas de mortalidade após operações para remover cálculos renais. Cheselden afirmava que era importante considerar as idades das pessoas tratadas por cirurgiões diferentes. Ele chamou a atenção para o fato de que as taxas de mortalidade variavam com as idades dos pacientes (Cheselden 1740), pacientes com idade mais avançada tinham mais probabilidade de morrer do que os pacientes mais jovens. Isto significava que, se alguém desejasse comparar a freqüência das mortes em grupos de pacientes que se submeteram a diferentes tipos de operações, deveria considerar a diferença de idade dos pacientes nos grupos de comparação.

A comparação das experiências e dos desfechos de pacientes que por acaso receberam tratamentos diferentes no passado é usada até hoje como uma forma de tentar avaliar os efeitos dos tratamentos. O desafio é saber se os grupos de comparação eram suficientemente parecidos antes de receberem o tratamento. Isto é demonstrado pelas tentativas de avaliar os efeitos da terapia de reposição hormonal (TRH), ao comparar as doenças das mulheres que usaram a TRH com as doenças de outras mulheres que não usaram a TRH. Conforme as análises subseqüentes dos experimentos controlados da TRH revelaram, tentar avaliar os efeitos dos tratamentos, em retrospecto, desta maneira, pode, muitas vezes, levar a resultados perigosamente equivocados ( McPherson 2004).

É quase impossível ter total certeza de que os grupos de comparação selecionados entre as pessoas que receberam um tratamento no passado, sejam compatíveis, em todos os aspectos que importam, com as pessoas que mais recentemente receberam um tratamento alternativo. Isto se aplica mesmo que algumas informações sobre os pacientes que receberam tratamentos diferentes estejam disponíveis (tais como a idade, ou o histórico de doenças). Outras informações que podem ser de grande importância (como a probabilidade de recuperação espontânea) podem simplesmente não estar disponíveis.

Treatise of the Scurvy Um abordagem melhor é planejar as comparações dos tratamentos antes de iniciar um tratamento. Por exemplo, antes de iniciar sua comparação entre seis tratamentos para escorbuto a bordo do navioHMS, em Salisbury, em 1747, James Lind teve o cuidado de selecionar pacientes que estivessem em um estágio semelhante desta doença muitas vezes fatal. Ele também assegurou-se de que tinham a mesma dieta básica e estavam acomodados em condições semelhantes. Estes eram fatores, além do tratamento, que poderiam ter influenciado suas chances de recuperação (Lind 1753). Deve-se empregar esforços parecidos para tentar garantir que os grupos de comparação dos tratamentos sejam compostos de pessoas semelhantes.

Montagem imparcial dos grupos de comparação dos tratamentos usando alternância ou randomização

Apesar de James Lind ter tomado o cuidado de assegurar que os marinheiros nos seis grupos de comparação fossem semelhantes, ele não descreve como decidiu quais marinheiros receberiam quais dos seis tratamentos. Existe apenas uma maneira de assegurar que os grupos de comparação dos tratamentos sejam definidos de forma que eles sejam parecidos em todas as maneiras que interessam, conhecidas e desconhecidas. E esta é através do uso de alguma forma de processo casual para formar os grupos de comparação de tratamentos, evitando assim a seleção com viés para diferentes tratamentos antes de iniciar o tratamento.

van Helmont, JB (1662) Cem anos após Lind, um médico militar, Graham Balfour, demonstrou como isto poderia ser feito em um experimento para observar se a beladona prevenia a escarlatina em crianças. No orfanato militar do qual ele era responsável, ele usou a alternância, “para evitar a atribuição de seleção”, para decidir quais garotos receberiam e quais não receberiam a beladona (Balfour 1854). A alternância é um dos vários métodos imparciais usados para formar grupos semelhantes de comparação de tratamentos antes de administrar os tratamentos que estão sendo comparados. Durante a primeira metade do século XX, existem muitos exemplos de grupos de comparação de tratamentos sendo formados utilizando a alternância ou a rotação (por exemplo Hamilton 1816 ; MRC 1944), ou por sorteio (Colebrook 1929), por exemplo, usando dados (Doull et al. 1931), contas coloridas (Theobald 1937) ou números de amostragem aleatória (Bell 1941 ; MRC 1948 ; MRC 1950 ; MRC 1951). Esta ‘alocação randômica’é a única, mas crucialmente importante, característica da categoria de experimentos controlados referidos como ‘randomizados’. Uma alocação randômica (diferente de acidental) significa que as chances de algo acontecer são conhecidas, mas os resultados não podem ser antecipados em qualquer ocasião específica. Assim, por exemplo, se uma moeda é usada para randomizar, a probabilidade se ter cara é de 50%, mas é impossível saber qual será o resultado de um sorteio específico.

Conforme demonstrado no artigo disponível ao clicar aqui , tirar a sorte é uma maneira tradicional de tomar decisões imparciais. Estes métodos ajudam a garantir que os grupos de comparação não sejam compostos de diferentes tipos de pessoas. Fatores de importância conhecidos e medidos, como a idade, podem ser verificados. Entretanto, aqueles fatores não podem ser medidos e que podem influenciar na recuperação da doença, como a dieta, o trabalho e a ansiedade, normalmente tendem a se compensar. Se desejar observar como a alocação randômica gera grupos semelhantes de pessoas (clique aqui para uma demonstração).

BMJ Conforme as experiências de uso da alternância e da alocação randômica para a montagem imparcial de grupos de pacientes na comparação de diferentes tratamentos ficava mais comum, tornou-se claro que a adesão estrita aos programas de alocação era uma exigência para evitar a criação de grupos de comparação de tratamentos com viés (MRC 1934). O risco da alocação com viés pode ser abolido se os programas de alocação dos tratamentos forem ocultados daqueles que tomam as decisões sobre a participação nas comparações dos tratamentos, em resumo, para prevenir que eles trapaceiem e, por conseguinte, induzam as comparações (MRC 1944 ; MRC 1948 ; MRC 1950 ; MRC 1951).

Precaução contra perdas com viés a partir dos grupos de comparação de tratamentos

Após tomar todas as medidas para garantir que os grupos de comparação dos tratamentos sejam formados de forma a garantir que semelhantes sejam comparados a semelhantes, é importante evitar que o viés seja introduzido como um resultado da retirada seletiva de pacientes dos grupos de comparação. O quanto possível, a similaridade dos grupos deve ser mantida garantindo que todas as pessoas alocadas nos grupos de comparação de tratamentos sejam acompanhadas e incluídas na análise principal dos resultados dos testes – também conhecida como a análise da ‘intenção de tratar’(Bell 1941).

Uma falha neste ponto pode resultar em experimentos não controlados de tratamentos. Tome, por exemplo, duas maneiras muito diferentes de tratar pessoas que têm ataques de vertigem em razão de vasos sangüíneos que abastecem seus cérebros parcialmente bloqueados. O tratamento para esta condição pode ser importante porque estas pessoas que sofrem de vertigem correm um risco maior de sofrer um derrame, que pode deixá-las incapacitadas, ou até matá-las. Um dos tratamentos para ataques de vertigem envolve tomar aspirina para impedir que o bloqueio fique pior; o outro envolve um procedimento cirúrgico para tentar remover o bloqueio no vaso sangüíneo.

Uma comparação controlada destas duas abordagens para tratar os ataques de vertigem implica na criação de dois grupos de pessoas usando um método de alocação imparcial (como a randomização). A comparação, portanto, iniciaria ao comparar dois grupos de pacientes semelhantes, e partir para a comparação das respectivas freqüências dos derrames subseqüentes. Mas se a freqüência de derrames no grupo tratado cirurgicamente fosse registrada somente entre os pacientes que sobreviveram aos efeitos imediatos da operação, não perceberíamos o importante fato de que a própria operação pode causar derrame e morte. Isto resultaria em uma comparação distorcida dos dois tratamentos, gerando uma imagem falsamente otimista e com viés dos efeitos da operação. Assim, semelhante não estaria sendo comparado com semelhante.

A principal comparação nos estudos randomizados deve ser baseada, o mais possível, em todas as pessoas designadas para receber cada um dos tratamentos comparados, sem exceções, e nos grupos aos quais foram originalmente designadas. Se este princípio não for observado, as pessoas podem receber informações com viés sobre os efeitos gerais dos tratamentos.